"Tudo está vivo; o que chamamos de 'morte' é uma abstração."
David Bohm
Para o tantra a morte é um tema... vital, subjacente à toda a nossa visão de mundo. O adepto tântrico,nao vive na obsessão, mas na intimidade constante da morte, a qual, para o Ocidente, significa o fim ou ausência de vida, enquanto, para o tantra, morrer é o contrário de nascer.
... A vida é uma experiência, e todos os seus aspectos devem ser assumidos, dos mais humildes aos mais sublimes. O tantra sabe que não é possível compreender, nem sequer usufruir verdadeiramente a vida sem ter vencido a morte. Vencer a morte não é negar sua existência, nem evitar olhá-la de frente, nem querer defraudá-la (imposível, evidentemente) mas arrancar-lhe as garras. De fato, na raiz de qualquer sofrimento, de qualquer medo, encontra-se a morte, própria, ou dos entes queridos.
Às vezes, não nos ocorre pensar que sem a doença e a morte, a vida seria bela? Pra começar, é algo que sempre acontece com os outros, quando chegar a minha vez, não estarei mais aqui para falar disso! E só é temida pelo indivíduo porque significa seu desaparecimento, enquanto para a espécie, ela é uma benção indispensável.
Em poucas palavras: para o tantra, a morte é o motor da vida que, sem ela, perderia todo o atrativo! Graças à morte, a cada geração, todas as espécies tem sua oportunidade de evoluir. Suprima-se a morte: de imediato, todas as espécies estagnariam. Os fabricantes de automóveis também programam a morte de seus carros, sua vida é deliberadamente limitada, caso contrário os primeiros fordes ainda estariam atravancando nossas estradas. A Vida faz quase o mesmo! A substituição dos indivíduos assegura a cada espécie a maleabilidade indispensável à sua sobrevivência diante da concorrência de outras formas de vida. Substituir os indivíduos é uma necessidade inelutável.
Suponhamos que a vida decrete a imortalidade. De imediato, ficaria irremediavelmente estanque. Sem bebês, sem velhos, somente adultos imutavelmente semelhantes entre si. A morte é um processo permantente. Diariamente, bilhões de células morrem. MInha imortalidade como indivíduo, implicaria a de minhas células e eu continuaria perpetuamente idêntico a mim mesmo! Não havendo mais bebês, não haveria mais sexos. Sem óbitos, imagine um mundo de adultos imutáveis, irremovíveis e assexuados! Nem unissex, pois nao haveriam nem órgãos genitais! Como Como as flores são o sexo das plantas, num Universo imortal as plantas não teriam sementes, logo, sem corolas, nem pistilos.
O tédio nasceu da imortalidade
Imortais, após alguns bilhões de anos, nos aborreceríamos seriamente. Uma idéia! Paraocupar nosso ócio, façamos amor! Infelizmente, não temos sexo! Não importa: façamos uma boa comida. Imortais não precisam de alimento! Aliás, os vegetais seriam também imortais, e a vaca não produziria leite, pois não haveriam bezerros.
Continuaríamos todos imutáveis, irremovíveis, por bilhões de anos!
É fácil admitir a morte como motor da vida, sem ela, a Vida seria impensável!
A morte existe, é preciso então se conformar. Estar morto não é para se temer; o drama é que, antes, é preciso... morrer! Nós nos apegamos à vida, como a maçã se agarra à árvore até durante a tempestade. Entretanto, quando sopra o vento do outono, e as folhas amarelam, madura, a maçã cai sozinha de seu galho, sem pesar, sem resistência: essa morte simples e fácil, bem que poderia ser aquilo que a vida previu como normal em nossos genes. A inteligência superior do corpo luta até o fim para sobreviver, mas se o declínio irremediável de um órgão essencial, torna o fim inevitável, essa mesma inteligência inicia o processo da morte, que é complexo e lento. De fato, não morremos de repente. A lâmina da guilhotina, nada mais faz, senão acionar o processo da morte. Primeiro o cérebro morrerá, atordoadas pelo golpe, e sem oxigênio, as células cerebrais morrem após alguns minutos. Mas a barba e as unhas continuarão a lutar pela sobrevivência. Portanto é impossível precisar a hora da morte. Paralelamente ao corpo denso, o corpo sutil - também material, na concepção tântrica - se desintegra lentamente, sem dúvida durante semanas. Por isso os tântricos são enterrados, em vez de cremados, como o costume ariano, para que a separação ocorra naturalmente. Outra questão: a morte é o fim? Seja lá o que for, o ser humano sobrevive em seus filhos, seus netos, e para lá deles, em seus genes eternos. E se não tiver filhos, sobrevive no processo constituído pela humanidade. A melhor maneira de se preparar para morrer é fazer de tudo para... viver o máximo possível. Não é o único meio de chegar àquela morte natural?
Ao seguir o vôo fulgurante de uma andorinha quem é que pensa que cada mergulho vertical representa a morte de um inseto? Mas é diferente se nos pusermos no lugar do inseto... Para o inseto indivíduo, é o fim do mundo, mas para a espécie mosquito, não importa, porque isso estava previsto, e a resposta à morte é um potencial reprodutivo formidável.
Apenas a vida existe! Separarmo-nos dela é fácil se estivermos maduros, lembre-se da maçã.
Se todas as manhãs o ocidental hiperambicioso e extremamente ativo se perguntasse se quer realmente se tornar o homem mais rico do cemitério, talvez sua perspectiva mudasse.
Para os yogues, a velhice e a doença são desfechos evitáveis: durante toda a vida, os "civilizados" assinam cheques em branco sobre o futuro. Eles vivem mal, se alimentam mal, respiram mal, não se mexem, deixam o organismo se aviltar, portanto tornar-se doente e senil. É preciso viver corretamente.
A verdadeira resposta para o enigma da morte está na definição tântrica: a morte é a vida e a morte é o contrário de nascer. Mas devo ir ainda mais longe, devo sentir que a minha vida não data do dia em que nasci, nem sequer de quando o espermatozóide paterno penetrou o óvulo materno, mas que a vida é um processo contínuo e eu sou esse processo.
Extraído de: Tantra, O culto da feminilidade [Lysebeth, André Van]